Em 2 de Maio de 2022, faleceu o filósofo Joseph Raz. Neste texto, disponibilizamos a tradução de seu obituário, originalmente publicado pela Faculdade de Filosofia da Universidade de Oxford, que pode ser lido aqui.

"Joseph Raz nasceu em 1939 no Mandato Britânico da Palestina. Encorajado em sua juventude intelectual por seu pai, um eletricista, ele cresceu em uma casa sem livros, exceto os seus. Raz estudou direito na Universidade Hebraica de Jerusalem, onde ele impressionou o grande filósofo do direito de Oxford, H.L.A. Hart, com críticas perspicazes a uma palestra proferida por ele a convite. Raz posteriormente veio a Oxford para trabalhar sob a supervisão de Hart, completando seu doutorado em 1967. Em seguida, em 1972, ele assumiu uma bolsa como tutor em direito no Balliol College e passou a ocupar uma cadeira pessoal em filosofia do direito (1985-2006), e depois uma cadeira de professor pesquisador (2009). Na última parte de sua carreira, ele também ocupou cargos na Columbia Law School e na King’s College de Londres.

Autor de trabalhos que incluem The Concept of a Legal System (O Conceito de Sistema Jurídico) (1970), Practical Reason and Norms (Razão Prática e Normas) (1975), e The Authority of Law (A Autoridade do Direito) (1979), Raz foi um dos três ou quatro principais filósofos do direito dos últimos cem anos. Junto com John Rawls, ele foi um dos mais significativos filósofos políticos da tradição liberal desde John Stuart Mill. Juntamente com H.L.A. Hart, Ronald Dworkin e John Finnis, Raz estabeleceu firmemente a preeminência de Oxford na filosofia do direito por mais de meio século. Na filosofia do direito, Raz sucedeu Hart como o portador da tocha do positivismo jurídico. Um ponto de discórdia na disputa multifacetada entre positivistas jurídicos e teóricos do direito natural é se julgamentos morais são necessários para determinar a existência e o conteúdo de leis. De acordo com a versão original do positivismo jurídico defendido por Raz, a existência e o conteúdo de uma norma jurídica é sempre exclusivamente uma questão de fatos sociais – e.g., do que foi posto pelas legislaturas ou por decisões judiciais – e não de avaliações morais.

Ao contrário de uma caricatura generalizada do positivismo jurídico, a posição de Raz não se baseia em uma concepção subjetivista de valor. Sua influente “concepção de serviço” da autoridade do direito sustentava que o direito era moralmente vinculante para um indivíduo se ele estivesse mais em conformidade com razões objetivas que se aplicam a ele – por exemplo, em qual lado da estrada dirigir ou o manuseio de produtos químicos perigosos – obedecendo ao direito do que seguindo seu próprio julgamento. O positivismo jurídico de Raz foi um resultado desta visão essencialmente Platônico-Aristotélica de autoridade legítima. Isto porque ele acreditava que o direito não poderia reivindicar a autoridade que ele reivindica se a identificação de suas normas exigisse a realização de julgamentos normativos sobre precisamente aqueles assuntos que o direito deveria ter resolvido autoritativamente.

Os escritos de Raz sobre filosofia do direito alcançaram um nível de profundidade e rigor intelectual que era historicamente sem precedentes. Ainda assim, são suas contribuições à filosofia política, especialmente sua seminal The Morality of Freedom (1986) (A moralidade da liberdade) que mais provavelmente terão uma significância duradoura. The Morality of Freedom não apenas elaborou sua concepção de autoridade política, ela também desenvolveu uma poderosa versão do liberalismo perfeccionista, de acordo com o qual o objetivo do estado liberal é promover o florescimento de seus membros. A ideia distintamente liberal de Raz sobre essa tese amplamente aristotélica consistiu em sua ênfase na autonomia individual como um componente vital do bem-estar pessoal. O liberalismo perfeccionista de Raz, junto à sua concepção pluralista e objetivista de bem-estar, é o principal rival liberal à ideia rawlsiana amplamente influente do liberalismo como baseado na neutralidade sobre o bem humano.

Uma característica notável da carreira de Raz é que ele contribuiu no mais alto nível por quase cinco décadas para o debate de uma gama diversificada de tópicos em filosofia moral, política e jurídica. Estes tópicos incluíram razão prática, o Império da Lei, bem-estar, direitos e meta-ética. Raz foi marcante na forma como ele combinou um intenso compromisso com a investigação filosófica com um estilo pessoal despretensioso e informal. Ele podia ser severo em seus julgamentos, especialmente quando confrontado com o que ele percebia como desleixo intelectual. Mas sua ferocidade amadureceu ao longo dos anos, talvez em resposta à sua fama crescente ou apenas à temperança dos tempos. Sua dedicação ao ensino foi lendária, como evidenciada pelo grande número de filósofos do direito e da política que estudaram com ele, tais como John Gardner, Les Green, Timothy Endicott, Aileen Kavanagh e Julie Dickson, entre outros.

Joseph Raz morreu em 2 de maio de 2022 no Hospital Charing Cross após sofrer um ataque cardíaco alguns dias antes. Ele deixa para trás sua parceira de longa data, Penelope Bulloch, e seu filho Noam Raz, um arquiteto residente em Sydney, Austrália."